O Prof. Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, médico, fundador da primeira escola médica na cidade de São Paulo, a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, inaugurada no ano de 1912, que mais tarde viria a se chamar Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), e o primeiro diretor da Instituição, foi homenageado ontem, dia 06 de junho de 2023, por sua trajetória de vida dedicada ao ensino, saúde, pesquisa e administração pública.
A cerimônia teve início na Sala da Congregação da FMUSP, quando a Profa. Eloisa Bonfá destacou o pioneirismo do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, que foi diretor do Instituto Vacinogênico de São Paulo e uma das figuras centrais na luta contra a epidemia de gripe espanhola, em 1918. Ele supervisionou a construção de hospitais de campanha, organizou mais de mil leitos da Santa Casa de Misericórdia, a qual ele era diretor clínico, para o tratamento das pessoas infectadas pela gripe e mobilizou alunos e professores da Faculdade de Medicina para atuarem nos postos de atendimentos. Além de ter incentivado os laboratórios e pesquisadores a buscarem tratamentos e contribuírem para o entendimento da ação da doença no sistema respiratório.
A Profa. Eloisa Bonfá ainda falou que, “para celebrar o legado de Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho é importante ressaltar que a Faculdade de Medicina tem uma liderança que se mantém desde a sua criação, e é importante refletir sobre como manter essa posição de pioneirismo e principalmente com um pilar tão importante que ela possui, que é ter professores titulares chefes de divisões clínicas dentro do HCFMUSP”. A Profa. Eloisa mencionou que o principal desafio do momento presente é a retenção de talentos.
O Dr. José Tarcísio Ascêncio Barreto Reis discorreu sobre a história de sucesso e renomada marca da FMUSP como parte dos esforços, dedicação e visão do Dr. Arnaldo, “que tinha sua paixão pela medicina, aliada ao compromisso com a formação médica e assistência à saúde, com embasamentos éticos e abordagens humanizadas, que inspiraram muitos médicos”.
“Me sinto muito honrado em participar dessa homenagem e lembrança do falecimento do Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, porque ele teve um aspecto muito importante, no aprimoramento da Medicina de São Paulo, do Brasil, no final do século XIX e XX, dedicado a saúde pública. E porque ele sempre se dedicou a necessidade de se formar médicos devidamente qualificados”, afirmou o Prof. Dário Birolini, Membro da Associação dos Professores Eméritos da FMUSP.
O Prof. Paulo M. Pêgo Fernandes, Vice-Diretor da FMUSP, fez uma conferência, em que narrou alguns fatos da história do Dr. Arnaldo Vieira e mostrou fotos.
O Prof. André Mota, Coordenador do Museu Histórico da FMUSP “Prof. Carlos da Silva Lacaz” fez uma descrição do dia da morte de Arnaldo Vieira de Carvalho, aos 53 anos, devido a uma septicemia decorrente de um acidente com bisturi em uma cirurgia que ele realizou.
Na sequência, os participantes seguiram até os jardins da FMUSP, onde encontra-se o busto esculpido do Dr. Arnaldo e foram depositadas flores e feitos os pronunciamentos do Dr. Flávio Taniguchi, 1º Tesoureiro da AAAFMUSP, e do Gabriel Fona Duarte, discente da 109ª turma do curso de Medicina da FMUSP.
Pronunciamento do Prof. André Mota em homenagem ao Dr. Arnaldo:
“A morte de Arnaldo Vieira de Carvalho e sua movimentação simbólica
A memória estará em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, será um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente. (Pierre Nora, 1993, p. 9)
Assim que correu a notícia da morte de Arnaldo Vieira de Carvalho, em 5 de junho de 1920, despontaram inúmeras manifestações de pesar na imprensa médica e jornalística. No âmbito da política de São Paulo, Alarico Silveira, secretário do Interior, solicitou que os funerais fossem feitos às expensas do governo. A Liga Nacionalista de São Paulo (LNSP) resolveu tomar luto oito dias, assim como a Sociedade de Medicina e Cirurgia, que cerrou sua sede social. A Policlínica mandou fechar o estabelecimento e hastear a bandeira a meio mastro. A Faculdade de Medicina da Bahia, a Sociedade de Hospitais e a Sociedade e Medicina Legal da Bahia encarregaram o médico Oscar Freire de representá-las nas homenagens. A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro enviou telegrama a Ovídio de Campos, que seria eleito novo diretor da Faculdade, manifestando seu pesar. A Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo ficaria em luto por oito dias, suspendendo todos os trabalhos e nomeando uma comissão para apresentar à família as condolências e o necrológio escrito pelo professor de Parasitologia e Moléstias Infecciosas, Celestino Borroul (Mota, 2005).
Nessa mesma direção e como nos ensina o historiador Michel de Certeau (2007, p. 299), a morte que não se diz pode escrever-se e encontrar uma linguagem própria, ganhando sentidos diversos fora de si mesma, num lugar outro, o do leitor. Foi assim que o número especial do Boletim da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, em 1921, com uma série de discursos, textos póstumos e publicações de e sobre Arnaldo, selou esse lugar de uma memória. As palavras do professor de Clínica Cirúrgica Antonio Candido de Camargo, em nome da Congregação da Faculdade de Medicina e Cirurgia, tentavam resumir o luto de todos os presentes:
[...] fostes, na vida, um bom, um justo e excelente amigo: na Faculdade que organizastes e pela qual destes muitos anos da vossa existência lutadora, ficará perene a vossa obra, por cuja guarda fiel se responsabilizam, por entre lágrimas com que vos choram a partida, os vossos dedicados amigos, que saberão honrar e elevar, torná-la grande, imensamente grande, como era vosso coração! (Camargo, 1921, p. 22)
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Arnaldo teria sido também o médico dos desprovidos, aquele que se inquietava com a dor dos pacientes da Santa Casa. Revoltava-se contra a pobreza e por esse empenho desmedido, no dia de seu falecimento, pessoas comuns, simples e humildes de todos os cantos da cidade foram prestar-lhe sua homenagem. Nas palavras de Vergueiro Steidel, professor da Faculdade de Direito: [...] vimos acorrer à sua casa desconhecidos e pobres que vinham de longe para contemplar pela última vez o rosto inanimado de seu benfeitor, comovendo, com suas lágrimas sinceras, os que tinham a felicidade, única naquele momento, de contemplar semelhante espetáculo. (Steidel, 1921, p. 14)
Por fim, ser formado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo era compartilhar a tradição de uma escola e os valores de seu fundador. A partir desse dia então, suas bênçãos póstumas eram consideradas obrigatórias para todos os formandos com o lema que deveriam dizer em voz alta: “Atendei e meditai na vida e obra do Pai desta Faculdade. Modele-se a vossa vida pela dele, e os homens cobrirão de bênçãos o vosso nome.” (Revista de Medicina, ano, VI, 1922, p. 21)
Todo esse movimento, está ligado ao período republicano que abriu espaço para que a história nacional também fosse referida pelos “acontecimentos regionais”, e passou-se a incentivar a restauração da história e de personagens das diferentes regiões brasileiras, valorizando a participação dos estados no projeto histórico da nação. Por isso: [...] menos que consagrar tal ou tal personagem, o que se faz na Primeira República é um movimento geral de criação de heróis. Provavelmente importa mais num herói celebrá-lo como tal do que realmente imortalizar suas ideias e bandeiras. É isso que permite a convivência fluida de vários heróis em um só politeísmo cívico: importa mais que sejam “grandes homens”, importa mais construir um amplo panteão do que dotá-lo de uma suposta coerência “ideológica”. Indivíduos que em vida se opõem fortemente deixam de estar em conflito quando acedem à imortalidade. (Gonçalves, 2000/2001, p. 29-30)
Nessa perspectiva republicana e simbólica de São Paulo, alçar o nome de Arnaldo como um “herói paulista da medicina brasileira” ganhou legitimidade entre aqueles que passaram a imortalizá-lo. Mesmo tendo em São Paulo sua guarida mais importante, o momento histórico do Brasil poderia transformá-lo num ícone de colorações nacionais, deslocando as regionalidades para um conceito de país uno e indivisível. Por isso, era inequívoca a intenção de equiparar sua figura à de grandes personalidades brasileiras do período como Oswaldo Cruz e Rui Barbosa, consagrados heróis nacionais e republicanos. Toda essa movimentação ganharia cores diversas com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. A guerra de 1932 colocaria em suspenso esse movimento, dando a Arnaldo um lugar mais paulista, e cada vez mais ligado à faculdade de medicina.
Como um homem de seu tempo, expressou os desafios e oportunidades da profissão, valorizando o ensino médico e as novas gerações que chegariam até nossos dias. Depois de sua morte seu nome ganharia para sempre as movimentações da memória, das lembranças e esquecimentos, agora sob o estatuto de pai da escola médica paulista, da Casa de Arnaldo”. Prof. André Mota